A fita quase invisível que modificou o mundo


Uma frase atribuída ao biólogo britânico Peter Brian Medawar, nascido na cidade de Petrópolis em 1915 e que, até o momento, é a única pessoa nascida no Brasil laureada com um Prêmio Nobel (Premio Nobel de Medicina em 1960), descreve bem o papel do atual vírus Coronavírus em relação à saúde e também à consequente situação socioeconômica mundial: 

Vírus é um pedaço de notícia ruim embrulhado em proteínas”.

            Uma frase muito interessante para explicar de forma bem lúdica e irônica o que é e a importância desta ínfima partícula, composta basicamente por ácidos nucléicos (DNA ou RNA), mas que pode modificar bastante a vida dos organismos vivos.
Peter Brian Medawar

            Apesar de ser apenas um pedaço de notícia ruim, invisível aos olhos humanos, um vírus  que nos infecta é bem verdadeiro, não é Fake
          Ele é sim, um fato concreto e real construído por uma quantidade de ácido nucléico (seja ele Ácido Desoxirribonucléico – DNA ou Ácido Ribonucléico - RNA), parcialmente envolto e protegido por um Capsídeo, que é uma estrutura proteica e também, eventualmente, cercado por mais uma cobertura proteica chamada Envelope. Ou seja, é uma fita de material nucleico envolta por proteínas.
            Uma noticia ruim que se propaga tanto no interior celular daquele que a recebe quanto fora deste, ao tentar compartilhar seu conteúdo nas células de outros hospedeiros ao entorno do indivíduo contaminado. Afinal, isto é vital para a sua mensagem se perpetuar pelo maior número de pessoas.
De forma muito assemelhada ao que ocorre na Internet, a possibilidade de viralizar, quase sempre é a meta de qualquer notícia ruim (geralmente, disfarçada como uma fake news) e assim, neste caso, também não é diferente esta estratégia para tentar se propagar e contaminar os incautos. 
Propagar-se intensamente pelos interiores das células humanas é o único objetivo, já que esta mensagem disfarçada em um vírus, somente se reproduz pela invasão e possessão do controle da maquinaria de auto-reprodução celular.
Contraditoriamente a mesma matéria prima (DNA ou RNA) que compõe esta fita contendo esta mensagem indesejável é a mesma responsável pela manutenção da vida e até da fisiologia vital dos seres vivos.
Na prática, tanto o DNA quanto o RNA são formados por unidades menores chamadas nucleotídeos que são a junção de uma base nitrogenada com um dos dois açúcares (neste caso, chamados riboses) que define qual é o tipo de Ácido que ele resulta, se ele é Ribonucléico ou Desoxirribonucléico
Sendo que ambos são naturalmente imprescindíveis para a produção de proteínas e manutenção da vida no ser humano.
Exemplo esquemático das fitas de RNA e DNA

            Esta é a grande contradição dessas fitas invisíveis de DNA ou RNA e que, curiosamente, também formam os vírus , ou seja, dependendo da sua arrumação interna, estas fitas podem ser mortais em algumas situações virais, apesar de serem naturalmente indispensável à vida dos seres vivos, na imensa maioria das vezes.


        Mais especificamente, no caso do Coronavírus, que tem este nome devido a presença de várias espículas em sua superfície que lembram uma coroa (corona em latim) ele é um vírus composto por uma fita simples de RNA com um formato esférico, envelopado com um envoltório proteico com cerca de 100 a 160 nm de diâmetro.
          Para se ter uma ideia da insignificância do tamanho físico desta notícia ruim, a unidade de comprimento "nm" equivale à bilionésima parte de um metro, ou seja, 10-9 m. 
        Ou seja, se comparada a alguém que meça 1,80m de altura, esta fita é invisível aos seus olhos, apesar de existir e poder nos humanos causar danos bem visíveis. 
            Além disso, dentre as proteínas que o envolvem, e que inclusive originaram o seu nome, as espículas compostas por glicoproteínas presentes em sua superfície são ótimos receptores de ligação e especificidade que, assim, realizam com boa eficiência a fusão com a membrana da célula hospedeira.
            

            Da mesma forma, a presença de um envelope proteico em volta de um vírus é um facilitador adicional para infectar as células, já que ele é uma estrutura externa adicional que protege a fita de RNA e, geralmente, é adquirida durante o “brotamento” do vírus quando ele sai da célula infectada.
          Durante esta saída o envelope se forma com boa parte do mesmo material que compõe a célula humana hospedeira. Isto justifica sua maior facilidade para infectar novas células próximas e até em novos hospedeiros.

Por outro lado, estes vírus envelopados são mais facilmente danificados pelas condições ambientais do que os vírus não envelopados. Isto é explicado porque o envelope pode ser destruído rapidamente no contato com solventes lipídicos como álcool, cloro, peróxido de hidrogênio, fenol etc.
Isso explica porque a higienização mais rígida, constante e atenta pode ser uma grande barreira para reduzir a propagação desta notícia ruim.
Afinal, se por um lado as características do envelope viral explicam, em parte, a sua rápida propagação ao contaminar humanos, por outro as medidas sugeridas pelas autoridades, como lavar constantemente as mãos com água e sabão e o uso de álcool gel são bem eficazes para reduzir o contágio.  

Os Coronavírus são conhecidos desde a década de 1960 e, até 2019 apenas seis tipos reconhecidamente causavam doença em humanos. Eles atingiam principalmente crianças e estavam associados a quadros clínicos variados, sendo mais comumente responsáveis por infecções do trato respiratório superior (com características assemelhadas a um resfriado comum), mas também do trato respiratório inferior (com quadros similares de pneumonia).
Hoje ficou comprovado com a recente pandemia por Covid 19 que as novas cepas que surgiram do Coronavirus possuem uma capacidade muito maior de contágio entre seres humanos, o que facilmente pode colapsar os serviços de atendimento de Saúde devido a velocidade da contaminação e consequentemente do rápido aumento dos casos mais graves e dependentes de maiores cuidados hospitalares.

Como podemos ver, apesar de ser apenas um pedaço de notícia ruim, invisível aos olhos humanos, ele atualmente é algo bem verdadeiro e que circula ao nosso entorno ameaçando as pessoas que amamos.
Como este pedaço de notícia é ruim tanto para a vida humana, quanto para a economia mundial, plenamente dependente de seres vivos saudáveis para girá-la, certamente é necessário superarmos e vencermos definitivamente esta fita que traz tantas mensagens embutidas em si, independente do investimento e sacrifício que todos nós precisarmos fazer. 
Somos reconhecidamente uma das espécies mais bem sucedidas da natureza, mas foi necessário que um insignificante vírus desnudasse muitas de nossas atuais fragilidades e, principalmente, como as nossas ignorâncias são deletérias à nossa melhor sobrevivência.
 Foi necessário que um mero vírus corrigisse a ideia que a manutenção do capital depende do trabalho e vice versa, Afinal, ficou muito mais claro que se faltar saúde, faltará braços ou até seres humanos para a execução do trabalho e como consequencia a economia poderá sofrer sérios baques.
Até parece que o objetivo fisiológico de um vírus é destruir o sistema capitalista, afinal quanto mais contagioso ele for e produzir sintomas graves e demorados no hospedeiro, maior será o prejuízo econômico causado pela sua rápida disseminação.
Ironias à parte, um vírus não pode ser encarado como uma entidade terrorista ou como um militante politico, apesar do ônus que ele causa, principalmente quando ele é subestimado pela sociedade e governantes.   
Enfim, foi preciso que um ínfimo pedaço de notícia ruim bem concreto e real nos mostrasse como precisamos voltarmos a ser, uma espécie bem melhor e até muito mais humana nesse novo mundo que ressurgirá, após essa pandemia.

Flávio Chame Barreto

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